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Governo não fiscaliza fraudes trabalhistas, diz novo chefe do MPT

09 Set

O procurador-geral Ronaldo Curado Fleury assumiu o comando do Ministério Público do Trabalho em 24 de agosto, após disputar três eleições para o cargo. Acredita que a instituição evoluiu nos últimos anos, porque passou a atuar de forma proativa em relação aos problemas trabalhistas no país. Cita, a exemplo de resultado, a regulamentação da atividade portuária, com distorções históricas e há décadas fortemente dominada por sindicatos. Ronaldo Fleury entende que o procurador tem a missão de intermediar uma solução, dentro dos limites legais, entre todos os atores da atividade econômica. E percebe falhas no papel do governo. Ao deixar de fiscalizar o pagamento do seguro-desemprego ou a prestação de serviços de empresas terceirizadas, a União desperdiça dinheiro público e, por conseguinte, penaliza o contribuinte. Fleury defende o fortalecimento de políticas públicas para combater problemas crônicos, como o trabalho infantil, e alerta para dois fenômenos crescentes: o trabalho escravo urbano e a imigração. O sofrimento dos refugiados sírios na Europa encontra paralelo com o drama dos haitianos, que vêm ao Brasil em busca de uma vida com mais oportunidades e cidadania.

 

O que é mais urgente em termos de trabalho no Brasil?
Três questões são urgentes. A primeira delas é o trabalho escravo, que ainda é uma praga muito forte. Uma realidade nova no país é o trabalho escravo urbano. Podemos citar, por exemplo, os bolivianos que trabalham em confecções em São Paulo. Outro tema urgente é o trabalho infantil. E por mais que exista uma concertação nacional sobre o tema, os resultados virão no médio e no longo prazo. Temos uma coordenadoria específica, com colegas que fazem esse trabalho no Brasil inteiro. Mas não adianta chegar em uma localidade, em uma fazenda, e tirar as crianças do trabalho. Quando a gente vira as costas, elas voltam. É um problema social, cultural também. Não adianta querer impor o que temos convencionado como certo e errado. É um trabalho de convencimento das famílias.

Mas há também a ausência do Estado. Se a educação é eficiente, o trabalho infantil fica mais difícil.
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho acolheu uma ação civil nossa afirmando que é possível que o Ministério Público acione o Estado para que implemente as políticas públicas e execute as que já existem. Temos atuado porque é essencial que haja a continuação do trabalho iniciado após retirarmos as crianças de situação análoga e das ruas. Mas só conseguiremos se houver alternativas.

O que o Estado poderia fazer para auxiliar o Ministério Público do Trabalho?
Nas áreas mais carentes, efetivamente, criar programas, como o Bolsa Escola, que incentivem as famílias a deixar as crianças de baixa renda na sala de aula. Além disso, é necessário um trabalho de conscientização para alertar que tirar a criança da escola é a perpetuação da pobreza e da miséria. E dar essa alternativa. Ela vai continuar ajudando no sustento da casa, mas continuará estudando, e não trabalhando.

O Bolsa Família cumpre esse papel. Até porque agregou outros programas, como o Bolsa Escola. Ele não é eficiente?
É eficiente em várias regiões. Principalmente, no Norte e no Nordeste, a gente vê um incremento de crianças nas escolas. Mas existe a necessidade de fazer um aprimoramento em todos os sentidos. Seja em aumentar o número de beneficiários, seja em fazer uma melhor fiscalização. Porque o grande problema do Bolsa Família e de todos os programas sociais é a fiscalização. Não tem exatamente a ver com o assunto, mas, a título de exemplo, estive em uma audiência pública no Senado para debater as mudanças nas regras para concessão do seguro-defeso. Mostrei que, para o governo economizar, bastava fiscalizar. Não precisava reduzir o público-alvo. Constatamos casos de prefeitos e vereadores que recebiam o benefício. Em Brasília, nos informaram que havia quase 600 trabalhadores recebendo seguro-defeso. Para pescar cará? Sou favorável ao Bolsa Família como um programa social. Necessitamos de programas sociais. As diferenças e desigualdades sociais no país ainda são absurdas. Mas também precisamos criar programas focados no futuro para dar condições para que essas famílias tenham melhores empregos e estudem mais.

Como combater o trabalho escravo urbano, fenômeno considerado novo no Brasil?
O fenômeno do trabalho escravo urbano está muito ligado à cadeia produtiva. Não adianta focar o trabalho apenas onde o crime é praticado, como por exemplo, nas confecções. Temos que responsabilizar toda a cadeia produtiva. Desde quem contratou aquela mão de obra até quem, no final, está auferindo enormes lucros com a venda desse material. E em alguns casos essa cadeia produtiva ultrapassa os limites do país e está no exterior. Basta a gente pegar os tênis que usamos: está lá que foi fabricado no Paquistão, no Vietnã, na China ou em Taiwan. No Brasil, as grandes marcas fazem a terceirização das confecções, e essa produção é quarteirizada e, às vezes, até quinteirizada. O desafio é conseguir a responsabilização dessa cadeia produtiva. Enquanto não houver um trabalho repressivo, com imposição de indenizações por danos morais coletivos para a empresa que aufere os lucros finais com esse trabalho, não teremos nenhum resultado.

Além de trabalho escravo e de trabalho infantil, qual é o terceiro ponto entre as questões urgentes para atuação do MPT?
O terceiro ponto é uma realidade mundial: a migração. Começou com maior incidência no Acre, com os haitianos. Imediatamente atuamos quando esse processo teve início. A Procuradoria Regional da 14ª Região, que atua em Rondônia e no Acre, ingressou com uma ação civil pública contra a União, para melhorar as condições de recepção dessas pessoas. Conseguiram uma liminar para que as demandas fossem atendidas. Mas agora é um fenômeno nacional e não está restrito ao Acre. Encontramos imigrantes em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em todo o país. Temos um contingente de imigrantes de várias regiões do mundo. Temos angolanos, senegaleses, moçambicanos. São inúmeras nacionalidades.

O que fazer nesses casos?
Nessa questão das migrações, temos um grupo de trabalho que trata do assunto. Tínhamos uma atuação solta. O MP tem uma característica muito importante, que é a independência funcional do procurador. Na decisão acerca de uma investigação, ele só deve satisfação à sua consciência jurídica. Eu, como procurador-geral, não posso, em hipótese alguma, interferir. Se fizer isso, ele me representa e eu serei punido. Essa é uma garantia, não do procurador, mas da sociedade. A garantia de que MP será isento na apreciação da denúncia. Em relação à migração, tínhamos algumas diferenças de posicionamento. Alguns colegas entendiam que ele é imigrante ilegal e não pode trabalhar. Se lermos a letra fria da lei, realmente precisa do visto de trabalho. Outros consideravam os imigrantes como refugiados. E uma parcela tem o entendimento, como base do princípio da solidariedade universal, que tinham que ser recebidos. Nós conseguimos hoje, dentro desse grupo, fazer um trabalho coordenado no sentido do país acolher essas pessoas para que tenham condições de trabalho. Pacificamos esse entendimento.

E os problemas relacionados à saúde e à segurança no trabalho?
São graves. Hoje temos uma atuação muito forte na questão do amianto, no sentido de banir a produção e o processamento no país.

Isso está na pauta há muito tempo. O lobby do setor é muito grande...
A perspectiva é que acabe a produção de amianto. Até porque há um problema econômico. Hoje já é produzido amianto sintético, que é o polietileno. É um produto mais barato. Além disso, as multas aplicadas em ações civis públicas do MPT são pesadas. As condições de trabalho nos frigoríficos, por um lado, são muito precárias. Temos casos de amputações, problemas de variação de temperatura, sem a observância dos intervalos de jornada de trabalho. Em razão do trabalho em áreas refrigeradas, temos um número maior de intervalos. Outro problema está relacionado ao movimento repetitivo. Cada trabalhador só faz um movimento, e isso ocasiona doenças por Lesões por Esforço Repetitivo (LER).

São comuns problemas relacionados a excesso de horas extras e nos fins de semana? Como isso chega para o MPT?
Em duas formas. A primeira é reativa: as denúncias chegam e nós agimos. Era assim até 2003. Depois, passamos a ter atuações proativas, por meio das coordenadorias temáticas, onde a gente não espera a denúncia chegar. Tomamos conhecimento de problemas pela imprensa, ou por relatos, fazemos um projeto e atuamos. Um exemplo disso é a área de trabalho portuário e aquaviário. Não recebíamos denúncias desse setor. Os trabalhadores não fazem denúncia por uma questão cultural. São um grupo muito fechado, os sindicatos são fortes e muito refratários. Mas, quando chegávamos em um porto para fazer uma investigação, as irregularidades eram infindáveis.

O que vocês conseguiram mudar nessa realidade?
A lei de modernização dos portos, editada em 1993, retirou dos sindicatos a prerrogativa de escalar os trabalhadores. Quem definia os trabalhadores escalados para um navio que atracasse no porto era o próprio sindicato. E tínhamos um problema sério de discriminação política. Só trabalhava quem tinha votado no presidente eleito. Em um caso que investigamos, um diretor de um sindicato foi escalado para trabalhar 1.270 horas no mês. Ora, o mês tem apenas 720 horas. Ele era escalado para dois ou três navios ao mesmo tempo. Sequer aparecia para trabalhar em um deles, vendia a vaga e só pagava ao colega o valor de uma diária. Conseguimos, por meio da lei de modernização dos portos, que a escalação saísse dos sindicatos e passasse para o órgão gestor de mão de obra. É um órgão com participação dos trabalhadores e de operadores portuários. E também implantamos a escalação eletrônica.

A questão dos empregados domésticos está resolvida?
A lei pegou. Houve uma maior formalização das relações, até por uma conscientização dos próprios empregados domésticos. Minha própria empregada me perguntou quais eram os direitos dela. Isso é muito importante, e não havia. Tínhamos problemas culturais. Mas ainda falta a implantação efetiva do Simples Doméstico. Sem ele, temos problemas. Você transfere para o empregador o recolhimento de uma série de tributos. Daqui a pouco as pessoas terão de contratar um contador para evitar problemas.

Isso desestimula a formalização?
Sim. A pessoa pensa que terá muitas obrigações e que, se deixar de pagar a Previdência, pode cair na dívida ativa. Muitos então, preferem contratar diaristas. Isso já aconteceu após a edição da lei. O Simples Doméstico facilitaria a vida do empregador. O empregador doméstico não é uma empresa. É uma pessoa física com várias restrições. Faço os cálculos em site especializado porque, se tivesse que fazer do próprio punho, iria esquecer algumas coisas. Sou da área. Vamos pegar uma dona de casa. Como ela vai ter controle disso tudo? Temos problemas de controle da jornada. Já é complicado quando o trabalhador não mora na casa; imagina quando mora no local de trabalho.

Esse problema se restringe aos empregadores domésticos?
Não. O maior problema do empregador brasileiro na Justiça do Trabalho é que ele só se preocupa com o direito do trabalho quando é acionado. Não existe uma cultura da prevenção jurídica. As empresas não têm essa cultura. Eu vejo muitos empregadores reclamarem que são vítimas nas ações. Quando perguntamos se faziam controle de ponto, por exemplo, dizem que não. E a lei obriga a controlar. Você tinha que ter se prevenido.

E dentro do trabalho doméstico, o grande drama é isso. Como o cidadão vai se resguardar diante de uma ação judicial?
Isso é um drama vivido por muitos. Houve um trabalho grande da imprensa de conscientização, mas isso precisa continuar.

Como avalia a contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados?
Essa questão é extremamente delicada. Temos uma divergência enorme sobre esse tema. Inúmeros colegas entendem que essa cobrança é ilegal e não assegura a liberdade sindical. E garantiria uma perpetuação de dirigentes sindicais, levando ao peleguismo. Outros colegas entendem o contrário: como a atuação dos sindicatos não está estrita aos seus associados, mas sim a toda a categoria, é justo que todos contribuam para o fortalecimento dos sindicatos. Essa matéria é extremamente conturbada.

Falta consenso?
Não há ainda uma posição fechada, e acho até que dificilmente haverá. O importante é que os dois posicionamentos discutam — ambos são juridicamente defensáveis. Porque aí entramos em outro tema importante, que é a unicidade sindical. Há uma contradição. A Constituição garante a liberdade sindical, mas, ao mesmo passo, garante a unicidade sindical. Os trabalhadores são livres, mas é somente a aquele sindicato. Há uma convenção da OIT que prevê a pluralidade sindical, então a discussão é maior.

Essa discussão tem de passar pelo Congresso.
Sim. Teria de ser uma PEC.

Mas o senhor tem uma posição pessoal sobre esse tema?
Como disse, os dois posicionamentos são corretos. Só que para juntar os dois, é necessário incluir a questão da pluralidade sindical.

O senhor, então, é a favor da pluralidade sindical?
Com certeza. Defendo a possibilidade de que o trabalhador possa escolher o sindicato.

Como a crise econômica impacta no mercado de trabalho?
Os números divulgados pelo governo sobre a redução da empregabilidade são bastante preocupantes. Está gerando problemas de demissão em massa, seja com empresas diminuindo a produção, seja com empresas que estão fechando as portas. Isso vai gerar não só um problema coletivo, com também problemas individuais. A demissão em massa causa uma repercussão social muito forte.

E o que pode ser feito?
Teremos de trabalhar, dentro da Coordenadoria de Liberdade Sindical, para facilitar o diálogo entre sindicatos e empregadores. É necessário fazer as adequações ao momento.

Em crise econômica, há uma tendência de precarização das condições de trabalho, não só com as demissões, mas também para quem fica no emprego.
É o problema da redução dos quadros. Se há uma redução proporcional da produção, tudo bem. Teoricamente, não teríamos um problema no meio ambiente do trabalho. No entanto, ainda temos uma cultura de que redução de custos significa enxugamento do número de trabalhadores — e até mantendo-se a mesma produtividade. Aí alguma coisa está errada. Ou tinha muitos trabalhadores, o que é pouco provável, ou esses trabalhadores que permanecem vão ter que trabalhar mais, levando a estafa, adoecimento, em vários casos.

Isso já está acontecendo?
Sim. No meio rural, temos caso de morte por estafa entre trabalhadores de corte de cana. A empresa, para reduzir custos, contratou menos trabalhadores. E o ganho do trabalhador era pouco, por quilômetro linear de corte. Como a mão de obra foi reduzida, os trabalhadores tinham de cortar mais cana para ganhar a mesma quantidade. E teve um caso de morte de trabalhador por estafa.

E como impedir essas situações?
Constatada, na investigação, a responsabilidade da empresa, entramos com uma ação civil pública para que ela regularize a situação. Entramos também com os pedidos de indenizações pesadas de dano moral a toda a coletividade. Porque aí nós temos não só o direito coletivo daqueles trabalhadores envolvidos naquela empreitada, mas também o direito difuso da sociedade. Toda a sociedade se sente lesada quando vê um membro dela morto por estafa no trabalho. O mesmo ocorre quando vê o trabalho escravo, o trabalho infantil.

Os pedidos de indenização pesada têm se mostrado eficazes?
Nossa forma de atuar pegando no bolso das empresas tem funcionado que é uma maravilha. Há duas questões. A primeira é o efeito punitivo, o fato de essas empresas serem efetivamente punidas. O que havia antes? A empresa não cumpria, entrava-se com a ação e a empresa era condenada a cumprir. Ora, ela já tinha de ter cumprido antes. A segunda questão é o efeito pedagógico, com relação à empresa em específico e às demais empresas. Se você não cumprir a lei, pode vir uma indenização em cima de você.

Quais foram os resultados dessa abordagem?
Em relação ao trabalho escravo, os dados mostram uma redução de resgates que temos feito. Quando fizemos o projeto de combate ao trabalho escravo, estabeleci como meta pessoal o zero resgate. No dia que a gente fizer 100 operações no ano e não resgatar nenhum trabalhador, aí vou ficar feliz. Porque é sinal de que conseguimos erradicar o trabalho escravo.

O trabalhador está desprotegido com as propostas em discussão no Congresso?
Eu diria que a perspectiva para o trabalhador no Congresso é um pouco sombria. Um exemplo claro é a terceirização. O projeto que liberaliza a terceirização é extremamente preocupante. A terceirização, da forma como é praticada hoje, de forma ilegal na atividade fim, já traz inúmeros problemas. O Ministério Público não é contra a terceirização de forma geral. A gente é contra as ilegalidades na terceirização: uma empresa usar de empresa interposta para contratar empregado.

Qual é o problema do projeto de terceirização?
Ele tem um fundamento filosófico errado. A gente vive no capitalismo. O capitalismo pressupõe capital e trabalho. Com esse projeto aprovado, nós teremos uma empresa sem empregado, um capital sem trabalho. Se a relação entre os terceirizados e a empresa tomadora não existe, a relação vai ser meramente comercial. Com o PL 4.330, da forma como está posto, seguramente o horizonte será sombrio. Todas as experiências de terceirização que temos identificado são muito deletérias para os trabalhadores. Há um problema grave, que é a troca de empresas. A empresa fica um ano, quebra, aí a outra assume...

Acontece muito no setor público.
É muito comum. A nova empresa assume, diz que não tem nada a ver com as obrigações da outra empresa. E o trabalhador, para não perder o emprego, aceita as condições da segunda. Então ele passa oito, 10 anos sem tirar férias. Antes, quem pagava essa conta era a União.

Problemas de terceirização ocorrem também porque o empregador, no caso a União, não fiscaliza.
Isso é muito problemático. O primeiro acordo judicial que fizemos com a União sobre terceirizados constava a obrigação dos gestores do contrato de fiscalizar. Eles poderiam ser responsabilizados pessoalmente, no caso da não fiscalização. E, no caso dos contratantes, a não observância dos princípios necessários à proteção dos trabalhadores, como contratar empresas de fundo de quintal.

E o seguro-desemprego?
Volto ao mesmo tema que falamos: fiscalização. A gente sabe como é. A pessoa é demitida, começa a receber o seguro-desemprego, arruma outro emprego, mas pede para que assinem a carteira depois, para continuar recebendo. Às vezes as pessoas fazem isso sem o conhecimento de que isso é um crime — fraude contra o FGTS é um crime. Hoje nós temos um problema sério de fiscalização no Ministério do Trabalho e Emprego. O número de auditores fiscais é absolutamente insuficiente. Várias unidades do MTE nem sequer têm um auditor.

O pagamento indevido é dinheiro público sendo desperdiçado.
A fiscalização, naturalmente, vai importar uma regularização. E a regularização importar maior recolhimento de impostos, contribuições previdenciárias.

Ou seja: com a ineficiência do governo, quem paga é o trabalhador.
Exatamente. E acaba voltando-se contra o próprio governo. Temos aí a questão do déficit orçamentário. O governo precisa arrecadar mais. Talvez se ele fiscalizasse com eficiência, ele arrecadaria...

E em relação ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE)?
É uma discussão longa, vem desde a época da Constituição, que garantiu a possibilidade de redução salarial, com redução de jornada. O Ministério Público do Trabalho vai ter um papel importante no sentido de facilitar e funcionar até como árbitro para que sejam observados os preceitos legais mínimos e constitucionais. Em normas de segurança e de saúde no trabalho, por exemplo, não admitimos a flexibilização. Mas se empresa tem a necessidade de redução proporcional da jornada de trabalho, sob risco de quebrar, e os empregados, assistidos por seus sindicatos, assim concordam, o Ministério Público está à disposição para negociar.

Mas o empregador também passa por dificuldades, como carga tributária, encargos e outros. Como o MPT atua nesse aspecto?
Trabalhei muito tempo na área portuária. Um almirante que conheci me dizia a seguinte frase: “O empresário malandro, para ser malandro, tem de cumprir toda a legislação só de malandragem”. Ou seja: deve andar na linha para ter sossego na vida. Realmente nós temos problema de excesso de carga tributária em alguns setores, até porque poucos pagam tributo no país. Há uma má distribuição no recolhimento de tributos, que acaba onerando em vários casos a folha de pagamento. Mas se existem empresas que cumprem a legislação trabalhista, fiscal, previdenciária e não quebram, será que as outras, que descumprem e também não quebram, estão com a razão? Em todos os setores, temos empresas que cumprem na sua literalidade toda a legislação.

Por que essas diferenças ocorrem?
O brasileiro é muito imediatista. E, via de regra, o empresário brasileiro também é. É difícil o empresário ter a mentalidade de investir hoje para ganhar a médio e longo prazo; ele investe hoje, quer ganhar amanhã. Não estou dizendo que está errado, que está certo. É uma questão de mentalidade. O empresário tem de ter lucro. Ele está colocando o dinheiro dele numa atividade econômica, ninguém vai colocar o próprio dinheiro, o dinheiro da família, para fazer graça.

Até porque a atividade empresarial é propulsora da economia.
Exatamente. Os trabalhadores precisam das empresas. Temos feito um trabalho no MPT de mostrar a necessidade da parceria entre trabalhadores, sindicatos e empresários. Estamos explicando que um precisa do outro. Não adianta o empresário dizer que vai demitir todos os empregados, porque vai parar de produzir. E não adianta o trabalhador tentar peitar a empresa toda hora, porque ela vai quebrar e ele ficará sem emprego. Existe a necessidade primordial de que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados. É muito difícil um trabalhador prestar o serviço com um alto nível de produtividade para aquela empresa que não cumpre as suas obrigações. Se me sinto bem naquele local, recebo em dia e sou respeitado, vou trabalhar com maior afinco porque vou ser parceiro dessa empresa. A experiência mostra que, nas empresas que cumprem a legislação trabalhista, a produtividade é muito grande.

O senhor assumiu o MPT há poucas semanas. Como foi a eleição?
Foi cansativa, mas muito inte-ressante. Ao visitar as sedes de todas as procuradorias regionais, conheci a visão de todos. Os problemas da terceirização, por exemplo, são vistos de maneiras diferentes, dependendo da região. E também temos problemas pontuais em cada localidade. 

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Tem trabalhado muito?
Hoje saí de casa, deixei meu filho na escola às 7h e cheguei ao trabalho às 7h40. São quase 18h e ainda não tenho ideia de que horas vou conseguir despachar com meu chefe de gabinete. Ontem saí daqui às 22h30.

É normal essa jornada?
Ainda estou em fase de adaptação, de montagem de equipe de trabalho. Acho que essa fase é muito difícil. Demanda mais tempo e maior dedicação. Espero criar uma rotina em que eu faça uma jornada entre 11 horas ou 12 horas por dia de serviço.

O brasileiro trabalha muito?
Trabalha. Se a gente for pegar a média mundial, vamos ver que o brasileiro trabalha muito. Existe o mito de que temos muitos feriados no Brasil, mas os números mostram que em vários países a realidade é a mesma.

Mas se fala muito da baixa produtividade dos brasileiros.
Fiz uma visitei à Honda, logo que se instalaram no Brasil. Uma das coisas que um dos diretores me disse foi que a Honda do Japão estava impressionada com a produtividade dos trabalhadores e com a qualidade dos carros produzidos no Brasil. Eu acho que isso responde. Eu não tenho dúvidas de que o brasileiro trabalha muito e que é produtivo. Agora, vejo isso de forma muito clara nas empresas que incentivam os trabalhadores e eles se sentem partícipes. Eles têm aquela sensação de pertencimento à empresa. Essa realidade existe em muitas companhias. Agora, quando a gente não se sente parte e se sente usado, eu acho que é até natural que haja uma baixa produtividade. É uma reação normal do ser humano.

Esse espírito de pertencimento também existe no serviço público, em uma cidade como Brasília?
Uma frase do Lenin diz que o mal dos homens é ver a folha e não enxergar a floresta. Os maus exemplos sempre se sobressaem. Temos maus políticos? Óbvio que sim. Temos maus procuradores, maus juízes, maus jornalistas. Em todas as áreas. Mas temos uma maioria de bons trabalhadores em todas as áreas. Antes de ser procurador, fui servidor do Tribunal Regional do Trabalho. O que observei lá e observo aqui no MPT é uma dedicação extremada. Uma sensação de pertencimento. Isso não significa que 100% dos servidores que conheci são dedicados? Não . Claro que temos maus exemplos.

O STF está debatendo uma ação relacionada ao direito de greve dos servidores e a possibilidade de corte do ponto dos grevistas. Como o senhor vê essa questão?
O direito de greve é garantido ao servidor público desde a Constituição de 1988, que ali previa a necessidade de regulamentação. Já se passaram 27 anos e nada de regulamentação da greve no serviço público. A Constituição prevê o direito à greve, mas não prevê o direito à negociação coletiva. Essa é uma das contradições da nossa Constituição. Eu posso fazer greve, mas não posso negociar para sair da greve. É claro que essa negociação é aceita, até por uma necessidade. Antes de discutir a legalidade ou não do corte de ponto, teríamos que regulamentar o direito à greve. Temos hoje polícia fazendo greve, algo até então inimaginável. Uma força armada de braços cruzados.

Isso é inadmissível?
A priori, não seria admissível. É importante que a gente tenha uma regulamentação. Também é difícil dizer que uma categoria não poderá reivindicar nada. A reivindicação é própria do trabalhador. Nós aqui do MPT estamos com problemas. Os servidores estão em greve. O que tenho feito: tentado junto aos servidores que a greve afete o mínimo a continuidade do trabalho.

Uma decisão do STF pode inviabilizar o direito de greve?
Ele vai inviabilizar a greve porque vai tornar o movimento paredista um sacrifício para as famílias. Os trabalhadores não poderão deliberar por uma greve. Mas

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