Cancelar
Acesso CNTV

Empresas têm dificuldade de atender à lei do aprendiz

06 Jul

Setores de segurança, de transportes e de limpeza afirmam que é inviável satisfazer à legislação sem que a base de cálculo seja revista

Vivenciar coisas novas e aprender com profissionais experientes, ao mesmo tempo em que estuda para se capacitar para o mercado de trabalho e recebe uma ajuda de custo no valor de metade do piso regional, tem sido a realidade de 35 mil jovens gaúchos, inseridos no quadro funcional de empresas via Lei de Aprendizagem (nº 10.097). É o caso de Ariane de Souza Pereira, 17 anos, que cumpre as horas de seu primeiro emprego no setor de documentação do Banco de Lage Landen Brasil, em Porto Alegre. O salário de aprendiz é de R$ 333,00 na carteira de trabalho, mais benefícios como plano de saúde, odontológico, vale-transporte e vale-refeição. Ariane deve permanecer na instituição por dois anos, mas já sonha em ser efetivada. “Estou adorando, aprendendo muito, e quero cursar Administração de Empresas no futuro”, diz a jovem, que desde fevereiro deste ano integra a turma de Práticas Bancárias do CIEE.

Os exemplos de Ariane e dos outros mais de 30 mil aprendizes em atividade no Estado só não são mais animadores porque o número de jovens no mercado de trabalho atrelados a esta lei deveria ser bem mais expressivo. “Precisaríamos de, pelo menos, 95 mil aprendizes (para cumprir a cota mínima de 5% do quadro de funcionários de todas as empresas de médio e grande porte). Temos 35 mil, estamos patinando neste número. Às vezes, os jovens nem sabem onde procurar”, lamenta a auditora-fiscal do trabalho e coordenadora estadual da aprendizagem da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (STRE), Denise Brambilla González.

A Lei da Aprendizagem altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nela, está descrito que o aprendiz deve ter, no mínimo, 14 anos, e, no máximo, 24 anos. Também deve trabalhar em uma jornada limite de seis horas diárias e estar obrigatoriamente seguindo um curso de capacitação profissional compatível com a atividade fim da empresa, que deve ser oferecida por escolas técnicas, serviços nacionais de aprendizagem ou entidades sem fins lucrativos, custeadas pela companhia empregadora.

Baixa adesão de candidatos adia curso de auxiliar de segurança no Senac gaúcho

O Senac-RS tem tentado implementar, desde o ano passado, o curso de Aprendizagem em Auxiliar de Segurança, sem obter sucesso até o momento. Contando com um portfólio de 12 cursos na área de aprendizagem - incluindo modalidade de ensino a distância -, a entidade é considerada qualificada em formação técnico-profissional metódica, junto com Senai, Senar, Senat e Sescoop. Com este respaldo, fez uma adaptação do currículo, incorporando atividades de vigilante que constam no curso básico da categoria exigido pela Polícia Federal, incluindo a questão do porte de armas. Mesmo assim, as inscrições foram abertas três vezes e, até agora, só fisgaram dez candidatos.

A escassez se explica pelo fato de a lei exigir 160 horas-aula na formação de vigilantes, tornando-se pouco atrativo para um jovem maior de 21 anos permanecer por 12 meses recebendo salário de aprendiz, enquanto pode partir para o mercado após 30 dias de curso. Não à toa, aumentam casos de operadoras da área recorrendo à Justiça para flexibilizar a cota de 5%. O Senac, em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (STRE), tem ido atrás de interessados, mas quase não consegue encontrar candidatos que se adequem ao perfil exigido pelas empregadoras da atividade. Apesar do empecilho, o curso deve iniciar ainda neste ano, com outras 20 vagas em aberto. Será o primeiro do gênero no País.

Mas essa é a única iniciativa do Senac gaúcho cujo resultado não tem sido positivo. Com meta de cumprir 14 mil atendimentos em 2012, a entidade já está com 70% do volume de aprendizes (de quase todos os setores) garantido para atingir o objetivo. “Poucos (jovens) pensam no futuro. Em outras épocas, isso seria uma porta de entrada maravilhosa, mas como vivemos um momento de pleno emprego, eles preferem pular esta etapa para ganhar logo o salário de vigilante”, lamenta a auditora-fiscal do trabalho e coordenadora estadual da aprendizagem da STRE, Denise Brambilla González.

Outras iniciativas têm sido implementadas para reverter a baixa representatividade que a Lei de Aprendizagem ainda tem nas companhias gaúchas, que não destoam do resto do Brasil. Na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (Fase-RS), o processo de ressocialização e reinserção de jovens na sociedade e no mercado de trabalho implementou os cursos de Técnico em Turismo e de Práticas Bancárias, destinados a adolescentes entre 16 e 17 anos (do regime fechado), conveniados com a Secretaria da Justiça e Direitos Humanos, empresas públicas e privadas, Senai e CIEE. Os cursos são ministrados dentro das unidades para os jovens que não podem deixar as casas. Eles passam a frequentar o ambiente corporativo, à medida que são transferidos para o regime aberto. Atualmente, 130 adolescentes da Fase em todo o Estado se beneficiam da medida.

Número de inscritos estagnou no Estado, diz CIEE

Independentemente da atividade, o fato é que o Rio Grande do Sul ainda está longe de cumprir a cota legal da aprendizagem nas empresas. Desde 2008, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) tem formado jovens aprendizes em diversos setores, atendendo atualmente a 900 empresas. No entanto, o número de aprendizes se mantém estável, quando deveria crescer.

De acordo com o gerente de operações da instituição, Lucas Baldisserotto, há um problema de entendimento por parte das companhias. “Temos o curso de Auxiliar de Serviços Gerais, Limpeza, Higienização e Sustentabilidade Ambiental, pelo qual desenvolvemos jovens para trabalhar no ramo hospitalar, e nunca tivemos dificuldade de captar inscritos”, afirma, referindo-se a um dos setores que reclama de falta de interessados no preenchimento de vagas.

Baldisserotto sugere que, no setor de transportes, se aproveite o curso de Logística. “Então, o jovem que cursa pode auxiliar na formatação das rotas a serem trabalhadas.” Apesar dessas alternativas, na opinião do gerente do CIEE, o maior entrave está na linha de pensamento. “As empresas se preocupam em cumprir cotas, quando deveriam aderir à Lei da Aprendizagem sob o ângulo de porta de entrada de um profissional que será capacitado nos moldes da companhia.” Atualmente, quase 80% dos aprendizes são efetivados após o término do contrato (de 12 a 24 meses), segundo o CIEE.

Oferta mais diversificada de cursos também é empecilho
Outra dificuldade enfrentada na formação de aprendizes é a oferta de cursos para áreas específicas. O advogado Cristiano Diehl Xavier alega que outros órgãos de aprendizagem profissional que utilizam de recursos pagos pelas empresas nem sempre formam turmas suficientes para atender à demanda ou mesmo têm cursos específicos sobre as atividades realizadas. “Muitas vezes as operadoras têm de recorrer a empresas particulares de formação profissional, o que representa um gasto duplo, já que é obrigatória a contribuição ao Sistema S (Senai, Senar, Senat, Senac e Sescoop) e do qual fazem parte esses serviços de formação.” Xavier diz que muitos de seus clientes reclamam do entrave na contratação. “Faltam jovens, a população está deixando de crescer e não há interesse dos que estão aí. Tem empresas de varejo, inclusive, com ampla mão de obra e funções que exigem experiência, que acabam restringindo o número de vagas de aprendizes. E às vezes, algumas contratam somente para se adequar à legislação, mais do que pela necessidade de vaga. É uma dor de cabeça para os setores de RH”, aponta. Para o advogado, o fato das férias do aprendiz precisarem coincidir com as escolares vem a ser outro problema para determinadas companhias. “Faltam cursos de atividades que envolvem risco e exigem certificação específica, e os que existem são mal divulgados”, dispara o jurista.

Exigências da legislação impedem contratações em áreas específicas

Além da desinformação por parte de muitos daqueles que têm entre 14 e 24 anos e querem entrar no mercado de trabalho, mas não visualizam o caminho, a meta de contratações esbarra na dificuldade que alguns setores - como os de vigilância e segurança, de transportes, e de limpeza e conservação - argumentam enfrentar. “Estaríamos cumprindo a legislação com relação às cotas de aprendizes, porém, descumprindo a lei que regulamenta a profissão da categoria de vigilantes. Essa situação poderia até inviabilizar nossa operação, levando em conta o tamanho da empresa e o elevado número de empregados”, justifica a advogada Ana Lúcia Prandine Lazzari, responsável pelo departamento jurídico da Gocil Seguranças e Serviços, ao explicar as dificuldades que a empresa vinha encontrando para se adequar à lei.

Especializada na prestação de serviços de vigilância, a Gocil - que, além de Porto Alegre, está presente em outras 10 cidades brasileiras - ganhou na Justiça do Trabalho o direito de diminuir a base de cálculo de contratação de aprendizes. Desde então, tem conseguido cumprir a cota mínima (de 5%), desconsiderando o número de vigilantes e enquadrando nesta conta apenas a mão de obra de outras áreas da companhia, como o departamento administrativo, por exemplo. Antes disso, chegou a responder ação movida pelo Ministério Público, que visava a que cumprisse a cota de acordo com a determinação legal. “A ação foi julgada improcedente. Não temos mais a obrigação de cumprir os 5%. Além disso, pela lei que rege as empresas de vigilância, não estamos autorizados a contratar pessoas que não estejam habilitadas a exercer esta profissão, sem o domínio de determinadas condições físicas e psicológicas em grau máximo, que não podem ser exigidas de pessoas com idade entre 14 e 24 anos na categoria de aprendiz”, explana a advogada.

Na área de limpeza e conservação, a dificuldade de preenchimento das vagas para aprendizes de acordo com a quantidade estipulada pela lei “é ainda pior”, garante a advogada do grupo Gocil, que também atua neste setor. De acordo com Ana Lúcia, os cursos de formação de aprendizes em serviços gerais e limpeza não têm quórum. “As pessoas simplesmente não procuram. O piso salarial é baixo, ninguém quer ser aprendiz de faxineiro.” Apesar de contar com o apoio do sindicato que representa o segmento e de estar se “movimentando” no sentido de cumprir a legislação, a Gocil mantém liminar que exclui a necessidade de cumprir as cotas no estado de São Paulo. “Tudo indica que a sentença será desfavorável, nos obrigando a cumprir. E estamos tentando, temos vagas abertas. Quem procurar será encaminhado pelo Centro de Formação de Aprendizes”, garante a advogada. Na opinião de Ana Lúcia, a solução seria caminhar rumo a uma mudança legislativa. “Por enquanto, o fiscal do MP vem e nos autua, daí mostramos que temos cursos e vagas abertas e, provavelmente por causa disso, o Ministério Público não tem entrado com ação.”

De acordo com o advogado Cristiano Diehl Xavier, a lei não pode ser aplicada literalmente, pelo fato de algumas corporações possuírem atividades-fim que são incompatíveis com os cursos de formação ministrados, situação de um caso recente defendido pelo escritório do qual é sócio. De acordo com a decisão do Tribunal Regional do Trabalho em favor de uma empresa de transportes com mais de 500 colaboradores, os cargos de motorista e de operador de empilhadeira não podem mais ser usados no cálculo para o percentual de aprendizes, pois essas funções exigem habilitações específicas e exigências incompatíveis com o trabalho e a idade dos aprendizes. “São atribuições que envolvem atividades de risco”, justifica.

A auditora-fiscal do trabalho e coordenadora estadual da Aprendizagem da STRE, Denise Brambilla González, diz que está sendo estudado, pelo Ministério do Trabalho em Brasília, uma forma de alterar a legislação nesta área. Mas, por enquanto, muitas empresas de transporte estão perdendo causas na Justiça do Trabalho, garante Denise. Ela anuncia que, da mesma forma como a SRTE tem ajudado na luta pela implementação do curso de Auxiliar de Segurança, deverá propor também um curso de Auxiliar de Motorista. “Por enquanto, a função de motorista só conta como base de cálculo para as empresas, e o aprendiz pode ir trabalhar em setores administrativos”, explica.

0 comentários para "Empresas têm dificuldade de atender à lei do aprendiz"
Deixar um novo comentário

Um valor � necess�rio.

Um valor � necess�rio.

Um valor � necess�rio.Mínimo de 70 caracteres, por favor, nos explique melhor.