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‘Nós precisamos de uma reforma sindical’, diz procuradora

19 Abr

Irregularidades nas prestações de contas, nas assembleias e a malversação dos recursos são os principais problemas encontrados pelo Ministério Público do Trabalho no Amazonas (MPT-AM) nos procedimentos de sindicatos acompanhados pelo órgão, como o da Construção Civil (Sintracomec), dos Vigilantes (Sindevam) e dos Rodoviários, todos comandados atualmente por juntas governativas. Eles representam cerca de 100 mil trabalhadores e movimentam milhões de reais, em função principalmente da arrecadação do imposto sindical, que é recolhido de uma só vez do empregado e corresponde à remuneração de um dia de trabalho.

A estimativa do Sindicato dos Rodoviários, que recentemente fez greve irregular prejudicando 500 mil pessoas, é de que a contribuição sindical seja de R$ 2,5 milhões por ano. Já a Sintracomec, que também ensaia algumas paralisações, a contribuição representa R$ 1 milhão ao ano.

Para a procuradora chefe substituta do MPT e coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis), Alzira Melo Costa, 31, muitos sindicatos têm pactuado negociações coletivas em detrimento dos interesses da categoria e mais voltadas para os interesses particulares dos dirigentes, e até com motivação política. Ela defende o fim da contribuição sindical, dentro de uma perspectiva de reforma sindical que prima pelo pluralismo e pela unidade sindical.

Qual é o papel do Sindicato?

O sindicato é uma associação que congrega pessoas, valores e deve buscar a defesa dos interesses dos trabalhadores. Ele passou por um período de proibição, reconhecimento e atrelamento ao Estado. Hoje está delimitado, tem uma pseudo-liberdade sindical. A Constituição coloca limitações: base territorial, cobrança do imposto sindical obrigatório, que tem sido o grande foco das disputas de poder e político, porque a arrecadação é compulsória e a prestação de contas do sindicato é feita apenas para os trabalhadores. Não há exigência de passar por um órgão fiscalizador.

Como começou a questão dos Rodoviários?

Um grupo ajuizou ação pedindo que a então diretoria prestasse contas. Na reclamatória trabalhista foi apurada uma série de irregularidades. A diretoria foi destituída e nomeada uma Junta Governativa para funcionar enquanto não houvesse regularidade das eleições.

É assim que ocorre normalmente?

Sim. Um grupo impugna a atitude da diretoria atual e entra na Justiça do Trabalho. Ao entrar é constatada alguma irregularidade e que pode culminar com a destituição daquela diretoria por algum motivo (corrupção, prestação de contas, irregularidades nas eleições). Se o Judiciário destituir a diretoria, o sindicato não pode ficar sem ninguém, até pela importância que ele tem de representar os interesses da categoria. O sindicato é a voz autorizada dos trabalhadores de uma dada categoria.

Qual a função da Junta?

Ela vai exercer a função de diretoria até que se regularizem as pendências e as eleições. O prazo da diretoria é muito variável. O sindicato deve obedecer à lei e ao que prevê o seu estatuto.

Quem pode fazer parte da Junta Governativa?

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não tem previsão de quem pode fazer parte. Mas, entendo, que só pode fazer parte da Junta as mesmas pessoas que poderiam ser eleitas. Caso contrário, terão pessoas que não conhecem as peculiaridades da categoria. Essa é minha opinião, mas nem sempre é isso que ocorre.

Quais os reflexos de se ter Junta no comando?

Os mais variados. A Junta Governativa pode exercer o papel que se espera dela, de administrar o sindicato sanando as irregularidades até a realização de eleições regulares, ou pode simplesmente manter as mesmas irregularidades praticadas.

O que o MPT percebeu?

Muitas vezes está sendo trocado seis por meia dúzia. Muitas vezes as irregularidades perpetradas pela diretoria afastada permanecem sendo perpetradas pela Junta; não na mesma medida. Então, falta a categoria se mobilizar, se organizar para exigir os seus direitos.

Porque o trabalhador não se organiza, não se mobiliza?

Acho que é um problema cultural com base educacional. No Brasil, a gente não tem histórico da população participar da política, seja na perspectiva macro (eleições dos representantes do executivo e legislativo) seja na micro (condomínio, sindicato). As pessoas não se envolvem porque exercer a cidadania dá trabalho. Não nos foi ensinado a ser participativos. E não se tem interesse na participação, porque é muito fácil guiar uma massa de cegos do que guiar uma massa que tem opinião.

As brigas de representação interna do sindicato podem reforçar o descrédito no movimento ou pode gerar um processo inverso?

Acredito que podem reforçar o descrédito. O efeito inverso não tem surgido. Nós precisamos é de uma reforma sindical, na qual seja implantada o pluralismo, onde os sindicatos não sejam únicos num mesmo território por imposição da lei, mas sejam unidos. Países onde a Convenção 87 da OIT (Organizaçao Internacional do Trabalho) é implementada existe a liberdade sindical e posso criar quantos sindicatos quiser. Os associados decidem. E o que se constata não é uma fragmentação de sindicatos, mas sim uma coalizão; os sindicatos se juntam para se tornar mais fortes e conseguir defender a categoria, e aí também acabaria com o imposto sindical.

Por que a senhora é contra o imposto sindical?

Por tudo o que já falei. Defendo uma reforma sindical e não só a abolição da cobrança do imposto que existe desde a década de 1930 e não conseguiu uma organização. Ele gera acomodação, desvio de conduta, a briga para se perpetuar na direção, porque ali tem uma renda disponível e sem prestação de contas a órgãos oficiais. E o fim da contribuição compulsória levaria os sindicatos a ter que ralar para mostrar ao trabalhador que defende os interesses dele.

Quais os principais problemas nos sindicatos?

Genericamente, os problemas que chegam ao MPT giram em torno das irregularidades nas prestações de contas, nas assembleias e malversação do patrimônio. Agora queremos deixar claro que o MPT não vai ser conivente com greves fora dos parâmetros. O MPT não deixará a população ao léu. O MPT defende o interesse dos trabalhadores sim, desde que esteja colocada na legalidade, na legitimidade.

Perfil Alzira Costa

Idade: 31 anos

Nome: Alzira Melo Costa

Formação: Direito, com especialização em Processo Civil

Experiência: Foi analista do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), entre 2006 e 2009, e em 2009 foi aprovada no concurso público para procuradora do Trabalho. Atualmente, Alzira é procuradora chefe substituta do MPT-AM.

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