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Guaritas de segurança custam até R$ 20 mil em ruas de SP

17 Nov

Severino diz que um sentimento de risco o acompanha desde seu primeiro dia de trabalho. Há quatro anos, entre as 18h e as 6h, ele se abriga na guarita de uma rua sem movimento do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo, ciente de que deve agir em caso de assalto.

Em novembro do ano passado, um crime, enfim, aconteceu --e ele não pôde fazer nada. Faltavam dez minutos para Severino deixar seu posto quando quatro homens o ameaçaram com uma pistola e o obrigaram a entrar no carro. Depois de rodarem por 40 minutos, uma casa foi escolhida.

Os moradores, a empregada e ele próprio foram feitos reféns, e objetos foram roubados. Ninguém se feriu. Severino, que prefere não revelar o sobrenome, cogitou deixar o trabalho. Sem opção, resolveu ficar na profissão de vigia, que hoje é executada por 6.000 homens da capital, segundo estimativa inédita da Secretaria de Estado da Segurança Pública. Não é um número preciso, uma vez que a atividade é determinada pela informalidade, ressalva o delegado Aldo Galiano, comandante do Dird (Departamento de Identificação e Registros Diversos).

Desde abril, o órgão investe numa campanha de cadastramento. Mais de 2.000 profissionais já foram identificados pela Polícia Militar e pela Polícia Civil, com grande adesão em bairros das regiões oeste e sudoeste, como Pinheiros, Morumbi, Pacaembu, Perdizes e Jardim Europa.

Segundo Galiano, a "febre dos guardinhas" avança também sobre a zona leste. Com a diferença de que, em bairros como Tatuapé, Itaquera e Cidade Tiradentes, muitos vigias não dispõem de guaritas, conforme constatado pela sãopaulo.

Adriano Martim, 36, é um deles. Trabalha há quatro meses na Vila Antonina, perto do Tatuapé, 12 horas por dia, e recebe salário de R$ 800. Sua função é repetir um mesmo percurso de bicicleta durante a noite, numa rua escura. Quando chove, ele se abriga em uma fábrica nos arredores. Nem todos os moradores contribuem com seu salário. "Eu nem sei quem contratou esse cara. Nunca paguei e não vou pagar porque não me sinto mais seguro com ele aqui", afirma o comerciante Carlos Alberto Genaro, 53.

QUEM SÃO ELES

Embora haja recusa, em geral são os moradores que estão orientando os vigias de suas ruas a se apresentarem na PM, segundo Galiano. O segurança que se cadastra tem de comparecer mensalmente à delegacia da região onde trabalha para assinar uma espécie de livro de registros. A ação tem como objetivo identificar os profissionais. "Queremos descobrir, por exemplo, se há criminosos trabalhando como vigias", afirma Galiano. Segundo o delegado, o cadastramento identificou homens que se acobertaram na função após terem sido condenados. "Já encontramos, nos Jardins, um homem que havia cometido três homicídios e estava sendo procurado pela polícia da Bahia."

Casos como esse não são frequentes, afirma ele. Mas, embora a maior parte dos vigias cadastrados não registre passagem pela polícia, outras questões surgem para moradores que utilizam o serviço. A primeira delas diz respeito aos honorários. Pagar ou não pagar? Quanto pagar? Quais os riscos para quem não paga? Todos os vizinhos devem dar a mesma quantia? Quais os direitos do morador? E os do vigia? Diante de tantas perguntas, a advogada Célia Marcondes, presidente da Sociedade de Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César, afirma que nenhum acordo é compulsório. "Muitos moradores se mudam de outros bairros para os Jardins e são coagidos a pagar um valor determinado. Ninguém é obrigado a pagar nada, mas aqueles que não pagam se sentem ameaçados", afirma.

Numa ronda pela região, a reportagem chegou a encontrar duas guaritas por quarteirão, uma delas blindada e fixada no piso, desrespeitando as dimensões de recuo da lei municipal 12.271/96, que regulamenta a instalação de guaritas. Também há casos de monopólio e comercialização de pontos. Jovino Aparecido Ribeiro, 37, conta que comprou um ponto com duas guaritas no Pacaembu por R$ 20 mil. Deu R$ 10 mil de entrada e parcelou o restante em dez vezes. Hoje, ele tem de dividir com mais três funcionários os pouco mais de R$ 4.000 pagos pelos moradores.

Para João Palhuca, vice-presidente do Sesvesp (Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo), esses profissionais trabalham em desacordo com as leis trabalhistas. "Muitos não recebem 13º, férias e fundo de garantia. Quando eles estiverem em idade não produtiva, quem vai ampará-los?", questiona. Palhuca é contra o cadastramento. "Com essa ação, o poder público está endossando mais de uma ilegalidade, principalmente em relação às leis trabalhistas", diz.

Existe, no entanto, quem tenha se adequado. A psicóloga Iara Pesceallo, 60, organizou-se com vizinhos, no Pacaembu, para pagar tudo a que os vigias da sua rua têm direito. Ainda assim, há cerca de oito anos, o grupo foi processado por um deles, que conseguiu na Justiça, segundo ela, um "valor simbólico" -cerca de R$ 200 para cada uma das sete casas que dividem o custo. "Tínhamos tudo documentado. Do contrário, acabaríamos pagando um valor alto", diz.

COMO LIDAR COM QUEM VIGIA SUA RUA

Tenho obrigação de pagar aquele que trabalha perto da minha casa?
Não. Mas quem já paga e deixa de pagar corre o risco de ser processado posteriormente, caso fique constatado vínculo empregatício. Esse risco existe também para quem não paga os benefícios previstos pelas leis trabalhistas, como férias e 13º salário

Como calculo a quantia a ser paga?
Esse é um acordo que deve ser discutido entre todos os vizinhos. Em geral, cada um paga o que pode. A reportagem encontrou valores que variam de R$ 100 a R$ 1.000 por casa

O cadastramento de vigias é obrigatório?
Não. Mas ajuda a saber quem é o profissional que vigia a sua rua, uma vez que a ficha policial dele será levantada. O cadastramento pode ser feito na delegacia responsável pela região onde você mora

Posso instalar uma guarita na calçada em frente à minha casa?
Sim. Mas o uso desse equipamento deve respeitar recuos e padrões estabelecidos pela lei municipal 12.271/96. A lei determina, entre outros quesitos, a aprovação da vizinhança e a obrigatoriedade de 1,2 m de largura livre para pedestres

Vigias podem portar armas?
Não. Também não podem agir como seguranças, o que é regulamentado pela lei federal 7.102/83. Para tanto, é preciso ser habilitado em escolas de formação específicas, além de ser contratado por uma empresa autorizada pela Polícia Federal

Fontes: Prefeitura de São Paulo, Sesvesp, Secretaria de Estado da Segurança Pública e Sociedade de Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César

1 comentários para "Guaritas de segurança custam até R$ 20 mil em ruas de SP"
  1. user
    27 de Fevereiro de 2019 �s 17:36:49

    A Lei Municipal nº 12.271/1996 foi revogada pela Lei Municipal nº 14.147/2006.

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